Disciplina - Ensino Religioso

Ensino Religioso

13/08/2008

Festa da Boa Morte

Cleidiana Ramos, do A Tarde
A partir desta quarta-feira, 13, a tradicional Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte repete, em Cachoeira (a 110 km de Salvador), o ciclo de uma das mais famosas festas religiosas baianas. Trata-se das homenagens a Nossa Senhora, que começam com a lembrança da sua morte, chamada de “dormição”, e chegam ao auge com a memória da sua glória (assunção). É uma festa feita por mulheres de candomblé, mas num cenário católico, em mais um exemplo de associações entre as duas religiões.
No caso da festa da Boa Morte, a relação não é tão evidente como em outros casos. Diferente de Santa Bárbara com Iansã ou Oxóssi com São Jorge, a associação é mais recolhida, mesmo porque as integrantes da irmandade pouco falam dos rituais de  candomblé da data.
O que fica mais visível na festa é a lembrança de que Maria, a Nossa Senhora dos católicos, conseguiu vencer a morte e ganhou um lugar especial na corte celeste. “A assunção acalenta a nossa esperança de que o céu pode ser a morada daqueles que o merecem. Assim como aconteceu com Nossa Senhora, a nossa vida pode continuar na casa do Pai”, explica o padre Pedro Sposato, pároco da Paróquia de Nossa Senhora da Assunção, localizada na Pituba, em Salvador.
A paróquia se prepara com novenas para festejar, no próximo domingo, de forma solene,  a assunção de Maria, com celebração às 8 horas, procissão às 17 horas e a missa às 18 horas.
Assunção - “A festa da assunção é no dia 15 de agosto, mas há algum tempo, no Brasil, ela é comemorada no domingo seguinte ao dia 15”, destaca padre Pedro. Segundo a tradição católica, Maria, após morrer, foi levada aos céus por anjos.
“A tradição conta que Nossa Senhora foi sepultada. Dias depois, quando o túmulo foi aberto, a pedido de um discípulo,  seu corpo não estava mais lá. Ele também foi elevado aos céus”, explica padre Pedro.
O fenômeno da ressurreição e elevação aos céus de Maria, chamado de assunção, é um dogma, ou seja,  é uma das verdades consideradas incontestáveis pela Igreja.
A assunção, segundo o pós-doutor em antropologia Vilson Caetano, é uma boa pista para entender a celebração feita pela irmandade.  “Ao contrário do que algumas pessoas afirmam, o catolicismo colonial, graças às características em que ele estava estruturado, abriu a possibilidade de que outras matrizes culturais dialogassem”, completa Caetano, que é diretor do Centro de Estudos das Populações Afro-Indígenas-Americanas da Uneb (Cepaia).
Para o antropólogo, o modelo católico foi utilizado por alguns grupos africanos para manter vivas suas visões de mundo, dentre as quais o conceito de ancestralidade. “A noção de alguns desses grupos diz que os que nascem são sempre vivos. Então, não existe a morte no sentido do aniquilamento. Este é o princípio da ancestralidade. Graças à morte, a vida continua”, diz.
Vilson Caetano também destaca que no culto à morte está a idéia de manter viva a memória dos que passaram, os ancestrais. “Para os africanos, manter os ritos pós-morte era muito importante, porque se acreditava que era graças à manutenção desses ritos que a memória iria permanecer viva”, acrescenta.
O batismo que era imposto aos grupos africanos escravizados no Brasil permitia o acesso às irmandades católicas, que tinham, inclusive, a função de garantir aos seus integrantes os ritos fúnebres, mesmo que católicos.
“Um cântico de tradição iorubá traduzido para o português diz que os iniciados no mistério não morrem, não desaparecem, os iniciados no mistério vão para a casa do renascimento. Então, quando nós morremos, retornamos à casa do renascimento para continuarmos vivos no mundo e nas pessoas”, explica o antropólogo Vilson Caetano.
Dessa forma, de acordo com Caetano, a crença das integrantes da irmandade e da tradição católica é a de que Maria dormiu, afinal sua morte é passageira, mas renasceu, inclusive subindo aos céus com o seu próprio corpo.
“Essa idéia não foi difícil de ser entendida por homens e mulheres africanos e seus descendentes, pois para eles não há a divisão entre o corpo e a alma. No candomblé, a pedra, a panela, a roupa remetem ao corpo. Sem ele, não há como sermos no mundo. Todo ele, então, é vivo”, completa Caetano.
Ele destaca que isto era fácil de ser entendido, afinal, nos sermões antigos, os padres optavam por contar as histórias que sustentavam seu conhecimento das coisas sagradas.
“A irmandade dialogou com essa história através do culto a Maria.  Trata-se de mais uma experiência de ancestralidade. Não é à toa que os ritos começam com uma homenagem às irmãs falecidas”, salienta Vilson Caetano.
Acessado em 13/08/2008 no sítio A tarde. Todas as modificações posteriores são de responsabilidade do autor original da matéria.
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