Ensino Religioso
24/08/2009
Tradição ancestral se extingue no Japão com morte de médiuns idosas
The New York TimesPor Martin Fackler
Em Monte Osore (Japão)
A tradução de Monte Osore significa Montanha do Horror, o que parece uma descrição apropriada para este local sagrado do budismo, localizado dentro da cratera de um vulcão dormente. O templo desgastado pelo tempo está cercado por um lago sem vida e por um terreno de rochas nuas, exalando fumaça de enxofre, o que evoca imagens do inferno budista.
Mas durante os festivais religiosos que acontecem duas vezes por ano na montanha, os visitantes chegam às centenas de ônibus para fazer fila em frente a uma série de pequenas tendas próximas ao templo.
Dentro delas ficam as "itako" - mulheres idosas, normalmente cegas, que conduzem cerimônias parecidas com sessões espíritas nas quais seus clientes esperam se comunicar com os espíritos dos mortos.
Esses médiuns espirituais parecem fora de lugar num país hipermoderno mais conhecido pelos trens bala e carros híbridos. Encontradas apenas em áreas periféricas como este vulcão no extremo norte da principal ilha do Japão, e desconhecidas pela maioria dos japoneses, as itako estão entre as últimas representantes das crenças xamanísticas ancestrais que precederam o budismo e as formas modernas de xintoísmo, as duas principais religiões do Japão, dizem os historiadores.
Elas sobreviveram às tentativas do governo de suprimi-las, assim como ao desdém de muitos japoneses, que as menosprezam, considerando-as charlatãs que comercializam superstições. Mesmo o vice-abade de Badi-ji, o templo de Monte Osore, disse que as itako não estão ligadas ao templo, que segundo ele apenas tolera a sua presença.
Agora, entretanto, até essas itako remanescentes estão desaparecendo.
Apenas quatro itako apareceram no festival de uma semana no Monte Osore este ano, três outras morreram de velhice no ano passado. Pior que isso, a única médium praticante que ainda não está em idade de se aposentar - Keiko Himukai, de 40 anos, conhecida entre os crédulos como a última itako - parou de vir este ano por motivos de saúde.
"Podemos ver uma chama muito antiga morrendo diante de nossos olhos", disse Himukai numa entrevista em separado. "Mas as tradições têm de mudar com o tempo".
Jinichi Tonosaki, historiador do museu municipal em Aomori, onde fica o Monte Osore, disse que o número de itakos caiu; elas eram cerca de 20 há uma década. Ele disse que, quando o número de itakos começou a diminuir, elas começaram a se reunir no Monte Osore para facilitar que os clientes as encontrassem. Acredita-se que o templo de 1.200 anos próximo ao vulcão seja um ponto de encontro das almas dos mortos antes da reencarnação budista.
Tonosaki e outros historiadores dizem que as itako e outros médiuns xamãs eram comuns em todo o Japão nos tempos medievais, quando esta era a única ocupação disponível para os cegos. Mas eles foram oprimidos no século 19, à medida que o Japão construía uma nação moderna. Nos tempos recentes, eles sobreviveram apenas à margem geográfica, no norte rural do Japão e na ilha de Okinawa, ao sul.
Shojiro Kurokawa, 82, lembra-se de quando era criança nos anos 30 e muitos moradores de seu vilarejo e de vilarejos vizinhos subiam para o templo para celebrar festivais de uma semana, dançando, cantando e fazendo sessões com espíritos durante toda a noite. Naquela época, disse ele, havia mais de 100 itako.
"Estamos numa época em que os filhos ignoram seus pais e se esquecem dos mortos", disse Kurokawa, que administra uma pousada perto do templo e hospeda os visitantes dos médiuns.
Agora, há tão poucas itako que os visitantes normalmente esperam em fila por muitas horas para se consultar com uma. As Itako cobram 3 mil ienes, ou cerca de US$ 30 (R$ 55), para cada espírito chamado numa cerimônia de aproximadamente dez minutos.
Uma família de três pessoas veio de Tóquio, que fica a um dia de carro daqui. Masako Toyama, 68, disse que veio para falar com seu marido, que morreu repentinamente de câncer no verão passado. Ela, seu filho e sua nora disseram que era a primeira vez que visitavam o Monte Osore.
Ela disse que conhecia as itako porque cresceu no norte do Japão.
"Elas eram uma presença amedrontadora, mas também reconfortante", disse Toyama. "Os japoneses ainda precisam desse tipo de apoio emocional."
"Eu quero testar as itako, para ver se isso é real", disse o filho, Shinji Toyama, 41, funcionário de um laboratório médico.
Quando finalmente chegou a vez dos Toyama depois de seis horas e meia de espera, eles pareciam quase surpresos pela aparência moderna da itako, com óculos de lentes cor-de-rosa e uma saia florida.
A itako, Setsu Aoyama, começou erguendo uma longa corrente de contas escuras e fazendo um cântico curto: "Eu chamo o espírito que morreu em 11 de julho", a data em que o marido de Toyama, Shigeto, havia morrido.
Na mesma cadência rítmica, balançando a cabeça com os olhos fechados, ela assumiu a voz de Shigeto. "Não fui ao médico cedo o suficiente", ela falou. "Os homens não ouvem esse tipo de coisas."
Himukai, a itako de 40 anos, diz que ela entra num transe no qual sente a presença do espírito e seu humor, que ela expressa em suas próprias palavras. Ela diz que decidiu começar o período de três anos de estudo para se tornar uma médium quando era adolescente, depois que uma itako de um vilarejo rural próximo ao seu curou-a de uma doença que os médicos não conseguiam curar.
Ela disse que se sentiu culpada por não ir ao Monte Osore. Entretanto, falou que pode ser que não possa mais comparecer ao festival por problemas de saúde, incluindo uma doença crônica do estômago. Em vez disso, ela disse que gostaria de escrever um livro ou fazer um filme sobre as itako.
"O fim também pode ser o começo de algo novo", disse Himukai, que usava um terno cinza com calças e falava sussurrando.
Depois da cerimônia, os Toayma tiveram reações diferentes. A viúva disse que aquilo tranqüilizou seu coração. Mas os mais jovens não ficaram muito convencidos.
"Não senti que era de fato o meu pai na minha frente", disse Shinji, o filho. Mas ele disse que quer voltar no ano que vem, para testar uma itako diferente. "Talvez apenas tenhamos tido uma má sorte de principiante escolhendo a itako errada."