Disciplina - Ensino Religioso

Ensino Religioso

31/08/2009

Ensino Religioso: fenômeno religioso ou uma confissão específica?

“Ensino Religioso é direito natural do ser humano”, afirma bispo católico
Por Por Raquel Júnia / EMdiálogo, 31.08.2009
No escritório da arquidiocese de Niterói, o bispo auxiliar Dom Roberto Paz recebeu o EMdiálogo para falar sobre o acordo assinado em 2008 entre o Presidente Lula e a Santa Sé. Para ele, só existe um tipo de ensino religioso – o confessional.
Dom Roberto tem convicção de que o acordo será aprovado pelo Congresso Nacional. Ele tinha em mãos um mapeamento da reação dos congressistas ao tema. A maioria é favorável, garante.
Qual o objetivo da Igreja Católica com a concordata?
Podemos também colocar o contrário – o objetivo do Brasil com o acordo. Na verdade uma concordata é um instrumento de direito público. [O que foi assinado] não chega a ser uma concordata tecnicamente falando, é um acordo, porque não regula toda a matéria de duas entidades de direito internacional como são a República Federativa do Brasil e a Santa Sé. Mas foram precisadas aquelas matérias fundamentais para estabelecer uma relação de cooperação.
Na verdade, existem mais ou menos 180, quase 200, acordos e concordatas com a Santa Sé, com todos os países, com várias nuances. Ultimamente tem sido firmados acordos com países do leste europeu, da África, até países islâmicos. E, claro, como este acordo prevê nos seus 20 artigos, são matérias do interesse comum.
Especificamente sobre o artigo 11 do acordo, que trata do Ensino Religioso confessional nas escolas, algumas instituições, movimentos e até setores religiosos estão questionando esse artigo alegando que fere princípios como a laicidade do Estado, entre outros motivos. O que o senhor responde a esse questionamento?
A laicidade é um princípio que o acordo defende. Laicidade é diferente de laicismo. Laicismo é desconhecer que há a religião e que existem pessoas que são cidadãs e que têm direito a um Ensino Religioso. A educação é integral e deve tocar o fenômeno religioso. E nós sabemos que quem diz religião, diz necessariamente confissão religiosa, não se pode ministrar Ensino Religioso sem convocar ao mesmo tempo as entidades religiosas. Se não, seria ensino antropológico sincrético, mas não seria religioso, seria simplesmente uma espécie de informações sobre as religiões, mas não seria ensino da vivência, do que é a alma da religião de um povo.
A Santa Sé, como acontece com a maioria dos países, regula isso a partir da preferência dos pais. Houve plebiscitos na França e na Itália que reafirmaram o direito dos pais de exigirem que o ensino público abrisse ou mantivesse o Ensino Religioso confessional. E quando falamos desse tipo de ensino não é só católico, é de todas as confissões, que seja um Ensino Religioso confessional e plural, isso não fere a laicidade. O que feriria a laicidade é se tivesse um monopólio, se o Estado fosse confessional, coisa que não é. O Estado não pode obrigar a que a população não tenha religião, seria laicista e ateu se fizesse isso.
O Estado é evidentemente neutro na religião, como é em relação a política também, não deve ter uma ideologia própria. Deve reconhecer os direitos e um dos direitos do cidadão é o respeito às suas crenças, porque a sociedade tem crenças. Tanto é assim que na Constituição Federal, no preâmbulo, se invoca como conceito e categoria jurídica a Deus. Em 1988 houve um deputado que queria que se tirasse o nome de Deus, mas não se tirou, porque a sociedade brasileira é teísta. Se tirasse o nome de Deus seria laicista e ateísta.
Mas também não temos ateus na sociedade brasileira?
Mas não é proporcional. Aliás, não sei se temos, deve haver. Mas em todos os sensos não há pessoas que se definam ou há muito poucas, não chegam ao 0,001%.
Mas existe uma Associação de Ateus.
Sim, claro, como tem também grupos satânicos.
Mas são a mesma coisa?
Não, evidente que não. Estou dizendo que há um espectro de definições, também eles se definem. Não aparece no senso, mas existem grupos satânicas.
Alguns professores acreditam que o Ensino Religioso deve se basear em uma educação para o fenômeno religioso e não em uma confissão específica. Não seria o caso?
Mas aí eu pergunto: que fenômeno religioso? Quem é que tem equidistância para falar de um fenômeno religioso que não tem fronteiras, que não tem identidade? É como se você fizesse uma abstração – ‘eu não sou religioso e vou analisar o fenômeno religioso’.
O fenômeno religioso é ligado a identidades religiosas, não existe associação para o fenômeno religioso, existem religiões e essas religiões devem ser respeitadas se você quer dar Ensino Religioso. Agora, se quiserem dar matéria que se chame fenômeno religioso, bom, então vamos tirar, não é essa matéria que nós queremos. Não significa Ensino Religioso, seria fenomenologia da religião, um enfoque numa espécie de anúncio de Deus-Mingau no qual ninguém se aproxima. Seria também uma forma de descaracterizar a religião no fundo.
Atualmente no Brasil está a cargo dos estados regulamentar a oferta do Ensino Religioso, não é em todos os estados que esse ensino é confessional.
No Rio e Bahia é confessional
E no caso desses estados que oferecem o ensino confessional, como se dá na prática a garantia da pluralidade de confissões? Por exemplo, em uma sala de aula, ainda que a maioria da turma professe a fé católica, mas que exista também estudantes de outras religiões, como esse ensino deve ser oferecido?
Bom, de fato, nós estamos fazendo agora um encaminhamento para as coordenadorias de Ensino Religioso estadual para que se façam escolas modelos para facilitar pelo menos duas opções.
Aqui [no estado do Rio] o mapa religioso tem mais ou menos as opções católicos e evangélicos. Seria possibilitar que essas duas confissões tenham atendimento diferenciado, professores confessionais que viabilizem esse Ensino Religioso que foi opção dos estados, é lei. Aqui no Rio de Janeiro, foi proposta pelo deputado Carlos Dias [PTB-RJ]. Então, se é lei, temos que cumprí-la.
Mas, então, seria impossível, na prática, contemplar toda a diversidade confessional?
Eu diria que se há realmente uma vontade política de respeitar a lei, se queremos garantir o direito, claro que em todas as escolas não haveria essa possibilidade de ter todas as confissões. Me parece que haveria uma analogia com o que se faz no ordinariato castrense [Forças Armadas], lá não há assistência religiosa de todas as religiões. São aquelas que realmente os alunos optarem, os soldados também optam, e se dá de acordo com a proporção.
De repente tem um da Fé Bahá’í, que a gente admira e tem todo o direito, mas quantos há da fé Bahá’í? Menos de 0,1%, é uma porcentagem mínima. Então desde que sejam realmente relevantes, o estado disporá de um professor. Na realidade haverá que viabilizar três opções. Vamos ver agora nesse modelo experimental como se comportam as escolas. Cada coordenadoria escolheu uma escola para ser modelo desse experimento aqui no Rio.
O senhor acredita que teríamos condições de garantir docentes de diversas religiões? No Rio de Janeiro, por exemplo, o professor para ser admitido precisa também de uma aprovação da autoridade religiosa da crença sobre a qual pretende lecionar. As outras igrejas estão preparadas para isso?
Não sei se as outras religiões estão interessadas também. Há igrejas que estão. A Assembléia de Deus, outras igrejas evangélicas estão sim, fazem questão de participar do Ensino Religioso e isso realmente vem democratizar, inclusive, garantir direitos. Agora, o Estado não pode obrigar as confissões a se fazerem presentes.
Na verdade é um direito dos pais. Nos EUA a legislação levou a que a Suprema Corte de Justiça desse aos pais o direito de fundar suas próprias escolas para garantir esse direito. É uma coisa muito séria, o direito que os pais têm de transmitirem as crenças aos seus filhos, que a educação seja conforme as crenças, está na carta das Nações Unidas. É um direito natural dos pais e o estado não pode eliminar. Então, o Ensino Religioso nas escolas não é um favor que o estado esteja fazendo, é simplesmente o reconhecimento de um direito natural.
E não seria o caso das instituições privadas garantirem esse ensino?
Não só privadas porque o cidadão aqui no Brasil paga impostos que vão para a educação. Se não, você estaria dizendo que só os que têm dinheiro têm direito a ter o Ensino Religioso assegurado. Você estaria discriminando, não haveria justiça distributiva. Porque você sendo cidadão, como você paga impostos, você tem que ter também os direitos garantidos e, na verdade, quem opta por uma escola particular está pagando duas educações porque o estado não isenta essa pessoa de impostos.
Já foi prevista no Brasil alguma forma de consulta à população sobre o desejo de receber o Ensino Religioso?
É que me parece que não é uma questão de desejo, é uma questão de direito natural, já reconhecido na carta das Nações Unidas, isso para todos os povos e nações. Nós não podemos pensar que consultas possam retirar das pessoas esses direitos.
O acordo quer a garantia da liberdade religiosa e a liberdade religiosa existe se você realmente tem o direito de ser instruído, de se expressar. É um direito que lhe cabe, volto a dizer que você é cidadão do Estado.
O Senhor acredita que o acordo será aprovado?
Sim, tenho clareza. Aqui nós temos o mapa do comportamento dos deputados. Quando se deu o requerimento de urgência nós notamos que a maioria votou a favor. Tudo faz supor que esse mapa dos deputados e senadores se mantenha na ocasião da votação.
Na verdade, as pessoas que se contrapõem ao acordo se esquecem que ele foi discutido por sete ministérios e quando o presidente Lula foi ao encontro do papa já levava na sua articulação, na formatação do acordo, o beneplácito dos ministérios. Estudaram os artigos e não descobriram nada que fosse contrário a legislação brasileira atual. O acordo é uma sistematização de leis que regulam o relacionamento entre Igreja Católica e Estado Brasileiro e o fazem de uma forma geral e de acordo bilateral. Isso já existe no Brasil, nada fere a Constituição.
As outras confissões também têm direitos. Na Alemanha e em outros países da Europa é muito freqüente o Estado fazer acordos com as igrejas para manter o princípio da liberdade religiosa, que é importantíssimo.
A gente esquece que o princípio da liberdade religiosa é nascente das democracias, porque a pessoa se reconhece pessoa de Deus e de seus congêneres. Se não existe liberdade religiosa garantida num país, você pode pensar que esse país é um estado totalitário que não tem claras as garantias constitucionais.
Acessado em 31/08/2009 no sítio Fazendomedia. Todas as modificações posteriores são de responsabilidade do autor do texto.
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