Disciplina - Ensino Religioso

Ensino Religioso

22/07/2010

A necessidade dos ritos mortuários

Catherine Vincent / Le Monde
Ela costuma ser confundida com a Festa dos Mortos, que ocorre um dia depois. Para todos, crentes ou não, o Dia de Todos Os Santos, uma festa durante a qual ninguém trabalha, tornou-se o momento privilegiado do ano para se dedicar aos entes falecidos. Esse respeito pela tradição não arrefece: segundo uma pesquisa que foi realizada em outubro pelo instituto TNS-Sofres, para a organização francesa Le Choix funéraire (A Escolha funerária), os dois terços dos franceses celebram nesse dia a memória dos seus defuntos.
Será essa uma maneira de compensar o declínio dos ritos mortuários que, em nossas sociedades ocidentais, acompanha aquele das religiões? Em todo caso, tanto os psicólogos quanto os profissionais dos serviços funerários se mostram unânimes: quando a cerimônia das exéquias não cumpre o seu papel, o desassossego das famílias permanece vivaz, até mesmo vários anos mais tarde.
Mais do que nunca, o acompanhamento social da morte e do luto é necessário. Isso implica em inventar outros funerais, mais civis do que religiosos. Isso torna necessário também questionar as escolhas que a prática da cremação envolve para as famílias, uma prática que vem ganhando lentamente, porém seguramente os favores do público. De 10,5% em 1995, a taxa nacional de cremação na França diz respeito atualmente a 25% dos óbitos.
Enquanto a imagem das empresas funerárias permanece confusa - segundo essa mesma pesquisa do TNS-Sofres, 43% dos franceses estimam que elas "fazem passar a ética da sua profissão acima de tudo", ao passo que a mesma proporção dos entrevistados estima ao contrário que elas colocam como prioridade "a necessidade do lucro econômico" -, as exigências vis-à-vis dos seus serviços são fortes. E, de fato, cabe a elas garantir o atendimento das famílias enlutadas e a organização das cerimônias.
Libertar a palavra
"Nós não somos apenas profissionais do serviço funerário. Nós estamos aqui também para ouvir e tranqüilizar", sublinhava assim Marie-Claude Chéramy, a diretora-geral das empresas funerais intermunicipais da aglomeração de Tours, que deu uma palestra nesta cidade do vale da Loire, a 250 km a sudoeste de Paris, em 10 de outubro, durante uma conferência-debate sobre o luto, organizada por iniciativa da associação nacional especializada na previdência dos funerais.
Insistindo sobre a maneira de acolher os membros da família, de modo a ajudá-los a "escolher as coisas que mais se aproximam dos gostos do falecido, das suas vontades, tomando todo o tempo necessário para sentir e compreender o que eles estão dizendo", a diretora-geral lembrou o quanto é importante, para o trabalho de luto que está por vir, a preparação do adeus ao defunto.
"A experiência mostrou-me que quanto mais a saudade for viva entre os familiares enlutados, quanto mais dificuldades eles terão para superar a sua dor", confirma Aline Lemesle, uma gerontologista psicóloga em Saujon (Charente-Maritime, oeste) e animadora de cursos de formação para o acompanhamento do final da vida e do luto.
Nas famílias junto às quais ela atua, ela insiste sobre a importância de se realizar um balanço da vida do moribundo enquanto este ainda está vivo. "E quando a palavra não se libertou antes, é essencial que ela o seja depois da morte daquele que se vai, e que a família possa manifestar a sua homenagem entre o falecimento e as exéquias", insista Aline Lemesle. Segundo ela, isso explica por que está havendo uma tendência à personalização dos funerais.
"De modo cada vez mais freqüente, as famílias solicitam uma cerimônia que se pareça com o defunto, e, efetivamente, elas participam cada vez mais dos funerais. Muitos tomam a palavra, seja para recitar um poema ou fazer um curto comentário, e os funerais são acompanhados por música, canções, com a presença simbólica de objetos familiares", constata Georges Roux, o diretor dos Serviços Funerais Gerais de Nantes (costa oeste), citado em artigo da revista médica "Pratiques" (n.º 34, julho de 2006, "Acerca da morte, ritos que precisam ser melhor pensados").
Ele também insiste na necessidade, para os familiares, de não tomar decisões às pressas. Principalmente quando a escolha se faz em favor da cremação, a qual levanta o problema, sempre doloroso, do que será feito com as cinzas.
Voltar para casa depois da cerimônia fúnebre com a urna debaixo do braço é uma prova que a maior parte das famílias prefere geralmente evitar. Contudo, essas coisas costumam acontecer exatamente dessa forma. Seja porque o defunto manifestou a vontade de ter as suas cinzas dispersadas numa floresta ou no mar, seja porque os seus familiares estimam ser o seu dever conservar a urna perto deles. Trata-se de uma escolha que os especialistas consideram como psicologicamente difícil, e geralmente pouco propícia para um verdadeiro trabalho de luto.
"As pessoas nem sempre se dão conta do quanto é necessário dispor de um local para se recolher, de um lugar para celebrar a memória", comenta Marie-Claude Chéramy. "Quando nos pedem para providenciar a dispersão das cinzas, nós indicamos que é possível construir uma sepultura".
Esta opinião é compartilhada por Marie-Frédérique Bacqué, uma professora de psicologia na universidade Louis-Pasteur de Estrasburgo (nordeste) e vice-presidente da Sociedade de Tanatologia (estudo dos aspectos biológicos e sociológicos da morte). "Para limitar as dificuldades psicológicas inerentes à perda de um ente querido, é desejável que o social se encarregue de cuidar do que subsiste do defunto", estima. "E, portanto, que os restos da cremação não permaneçam de posse das famílias".
Para tanto, pode-se recorrer a um "jardim da recordação" (os quais são cada vez mais numerosos nos cemitérios da maior parte dos grandes municípios), ou ainda depositar a urna no "colombarium", um local construído para este efeito ao lado do crematório, numa sepultura familiar ou num mini-túmulo. São inúmeras as possibilidades que passaram a ser oferecidas às famílias enlutadas.
Em breve, as cinzas terão um estatuto jurídico
Hoje, na França, a cremação representa 25% dos óbitos e a 50% dos que subscrevem contratos de exéquias. Ora, depois da cremação, 71% das urnas cinerárias são entregues para as famílias, sem indicação precisa do seu destino. Diante do desenvolvimento desta prática e dos riscos de ocorrerem práticas equivocadas, o ministro delegado para as coletividades territoriais, Brice Hortefeux, declarou nesta segunda-feira (30/10) querer absolutamente conferir um estatuto jurídico às cinzas daqui até fevereiro de 2007.
"Todo mundo ignora o que acontece com essas urnas uma vez que elas são entregues para as famílias e nós chegamos a constatar comportamentos folclóricos, aberrantes, e até mesmo francamente indignos", precisou o ministro.
Um projeto de lei de autoria do senador Jean-Pierre Sueur (Partido Socialista, da região do Loiret, centro), que foi adotado por unanimidade em 8 de julho no Senado, aguarda votação na Assembléia Nacional. A legislatura parlamentar encerra-se em fevereiro. Se o texto não for adotado até lá, o governo procederá por meio de um decreto. O texto já está pronto para ser votado pelos deputados.
Acesso em 22/07/2010 no sítio portaldoenvelhecimento.net. Todas as informações são de responsabilidade do autor.
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