Ensino Religioso
14/10/2010
Religiosos, mas desinformados
Helena Carnieri / Gazeta do PovoEntre os 15 livros de religião mais vendidos em uma das maiores livrarias de Curitiba, quatro são norte-americanos. Muitas músicas, métodos de ensino e missionários que servem ao público cristão brasileiro também vêm dos EUA. Mas se há algo que os líderes eclesiásticos do país não querem copiar dos “gringos” é o nível de conhecimento dos fiéis.
Pesquisa do Pew Research Center divulgada nesta semana mostra que, apesar de os vizinhos do norte serem um dos povos desenvolvidos mais religiosos – 58% dos norte-americanos dizem que a religião é muito importante, contra 19% dos ingleses – muitos são desinformados sobre princípios, práticas, história e nomes de líderes da sua fé.
Uma das descobertas mais impressionantes foi a de que 41% dos católicos entrevistados acreditam que a eucaristia é apenas um símbolo do corpo de Cristo, enquanto a doutrina da Igreja diz que a hóstia consagrada se transforma nele.
Entre entrevistados de todos os credos perguntados no primeiro semestre deste ano pelo Pew Center, apenas 16% apontaram o protestantismo como o ramo cristão que prega a salvação apenas pela fé. E nem a metade dos próprios protestantes (47%) identifica Martinho Lutero como o religioso que mais influenciou a Reforma – e isso numa pergunta de múltipla escolha.
Qual a finalidade de saber o tamanho do desconhecimento dos fiéis? “A religião é um dos fatores que moldam não só a cultura, mas também a política e as relações internacionais americanas, e por isso queríamos saber o que as pessoas realmente sabem sobre o tema”, disse à Gazeta do Povo Greg Smith, um dos responsáveis pela pesquisa.
Ele diz não ter conversado com líderes religiosos após a divulgação do estudo, mas acredita que devam estar preocupados.
Para analistas norte-americanas de religião ouvidos pela reportagem, um conhecimento mais sólido poderia evitar conflitos no país, como a oposição dos nova-iorquinos à instalação de uma mesquita islâmica a duas quadras do marco zero, onde as Torres Gêmeas foram derrubadas por militantes da Al-Qaeda em 2001.
“Muitas discordâncias estão baseadas em erro”, diz a professora de Estudos Religiosos da Universidade de Boston Kecia Ali. “Às vezes as pessoas creem na mesma coisa e não sabem”, diz, citando como exemplo o fato de muitos cristãos americanos pensarem que os muçulmanos adoram um deus estranho, quando, pela teologia islâmica, seria o mesmo deus de Abraão e portanto de judeus e cristãos.
Entre os motivos para o desconhecimento norte-americano, Kecia aponta a falta de curiosidade. “Se nos consideramos melhores, não há necessidade de descobrir muito mais sobre outras nações e outras religiões”, critica.
A cultura de considerar a religião um tema sigiloso também é vista como um empecilho para o aprofundamento de conhecimentos religiosos. “A religião é um tabu nos EUA, algo de que as pessoas não falam. A não ser que seja para convencer alguém”, diz a professora de Estudos Religiosos na Universidade de Vermont Erica Andrus.
Ela acredita que esse padrão esteja aos poucos mudando, já que, em uma década de ensino universitário, a professora viu crescer o número de alunos que optam por classes sobre as religiões do mundo. Entre os jovens, Erica considera que a internet está servindo como divulgadora de novas realidades. Mas ela vê com cautela essa influência.
“Se você tem interesse em saber sobre uma determinada religião, acaba pesquisando só sobre o que já sabe”, pondera. Sem falar nas inexatidões e preconceitos espalhados pela web.
Para piorar, a pesquisa do Pew Center mostrou que quase a metade dos entrevistados comprometidos com um credo quase nunca lê um livro ou entra num site sobre sua religião, enquanto 70% quase nunca lê sobre outra religião.