Disciplina - Ensino Religioso

Ensino Religioso

22/01/2008

A Terra Santa e a relação religião-política

Jung Mo Sung *
Presidente Bush, em uma tentativa de deixar uma marca positiva no seu segundo mandato, foi ao Oriente Médio e jogou todo o seu peso político para pressionar Israel e a Autoridade Palestina a chegarem a um acordo de paz. Ele estabeleceu até um prazo final: o fim deste ano, quando termina o seu mandato. Os dois lados se mostraram abertos para o diálogo, mas bastou Bush deixar Israel para que os bombardeios e os ataques de dois lados recomeçassem, mostrando que a perspectiva de paz nessa região continua ainda distante.
Todas as vezes que se caminha para uma negociação séria ou promissora, os radicais religiosos-políticos dos dois lados promovem ataques ou atos que paralisam as negociações. E na lógica desses radicais, as ações de boicote ao processo de negociação da paz são mais do que algum tipo de estratégia político-militar; são obrigações divinas! Afinal, eles estão lutando em nome de Deus e, quando se está em uma guerra em nome de Deus, não se pode negociar com os inimigos, pois eles não são meros inimigos do país ou do povo, são inimigos de Deus! Negociar com o inimigo de Deus (o satã) é trair a Deus! Como entregar o lugar santo (seja Jerusalém ou outro lugar) para os infiéis?
As guerras religiosas, guerras feitas em nome de Deus e da religião, só terminam com a vitória definitiva de um dos lados; com a vitória de um Deus sobre o outro (que fica provado não ser o deus verdadeiro). Quando as correlações de força não permitem uma vitória definitiva de um dos lados, a guerra se prolonga causando sofrimentos, destruições e mortes por muito tempo. Nestes casos, a única alternativa é a separação da política da religião, do Estado da Igreja, da guerra de Deus, para que as negociações políticas sejam possíveis. A história da Europa nos mostra que a secularização (a separação do Estado da Igreja, da guerra de Deus/religião) foi um passo positivo fundamental para a superação dos impasses das guerras religiosas sem fim.
Mesmo no conflito Israel-Palestina, podemos ver que são os setores mais secularizados dos dois lados - setores que analisam a realidade sócio-política da região a partir de perspectivas mais racionais, isto é, a partir análises econômico-sócio-políticas das possibilidades objetivas - que reconhecem que não haverá solução militar para o problema e que os dois povos têm que aprender a conviver, respeitando mutuamente os direitos uns dos outros. Os setores religiosos radicais, que analisam a realidade política a partir da premissa religiosa, da promessa feita por Deus ao seu povo, não aceitam discutir politicamente o problema e não vêem outra solução se não a luta até a morte para o cumprimento das promessas divinas. Esses nem aceitam discutir as análises sobre as condições e possibilidades históricas, pois para eles Deus é maior que qualquer teoria social ou qualquer poder militar e Ele cumprirá as suas promessas (ou está exigindo que o povo lute até a morte para que essas promessas sejam realizadas).
Eu penso que uma solução negociada para o conflito no Oriente Médio será muito difícil sem a secularização do conflito (a separação entre Estado e a Igreja/religião; guerra e Deus). Isto não significa que eu estou propondo a redução da religião à esfera da vida privada, como muitos modernos defendem. Devemos superar os dois extremos: de um lado, a identificação entre a política e a religião, de outro a separação radical entre a política e a religião. A primeira posição leva à intolerância, seja no campo religioso ou no político, e desemboca em impasses políticos ou militares. A segunda priva a sociedade da contribuição das sabedorias e forças espirituais das tradições e grupos religiosos na luta para construir a paz e uma sociedade mais justa e humana.
Uma terceira postura pode ser a de desenvolver uma relação entre a religião e a política no nível dos valores ético-humanos que regem toda a sociedade e, portanto, também no campo político. Nesta relação, a política respeitaria as dinâmicas, lógicas e racionalidades próprias do campo religioso, enquanto que a religião respeitaria a autonomia do campo político no que tange a seu aspecto operacional, que tem as dinâmicas, lógicas e racionalidades próprias. Assim, os argumentos políticos não seriam usados ou aceitos para discutir as questões específicas do campo religioso, como os argumentos religiosos não seriam usados para debater problemas operacionais relativos aos conflitos militares, negociações de paz ou políticas econômico-sociais. (Para evitar mal-entendidos, quero deixar bem claro que estou fazendo aqui uma distinção entre o nível dos valores ético-humanos, onde a relação religião-política deve ser estreita e mais desenvolvida, e o nível operacional, onde deve se preservar as autonomias relativas de cada campo.)
Isto significa que tanto o campo religioso quanto o político devem reconhecer os seus limites e sua relatividade em relação ao todo da vida social. O que não é fácil para nenhum dos lados. Afinal, em um debate ou diálogo, nós tendemos a usar a racionalidade do nosso campo/lado como se fosse a racionalidade que deve prevalecer para o todo. E assim não logramos compreender o sentido do discurso ou prática dos outros e cometemos equívocos a partir disso; equívocos esses que dificultam o diálogo e a solução de problemas comuns.
Uma relação "saudável" entre a religião e política parece ser fundamental tanto para a paz no Oriente Médio (especialmente no conflito Israel-Palestina), quanto para o resto do mundo.
* Professor de pós-grad. em Ciências da Religião da Univ. Metodista de S. Paulo e autor de Sementes de esperança: a fé em um mundo em crise.
Edit: Acessado em 22/01/2008 no sítio Adital. Todas as modificações posteriores são de responsabilidade do autor original da matéria.
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