Disciplina - Ensino Religioso

Ensino Religioso

08/07/2008

Fé alheia não funciona

Rachel Campello
Desde o início dos tempos se acredita que a fé ajuda as pessoas a viver melhor e a superar doenças. Em todas as religiões, fiéis se dedicam a orar por si e pelos enfermos na esperança de promover a cura. Vários estudos demonstraram que quem acredita em alguma força maior encara problemas físicos com mais facilidade. Os cientistas já mostraram que pacientes religiosos têm três vezes mais chances de sobreviver a cirurgias cardíacas que os não-religiosos; que quem tem fé vive, em média, 10% mais; que quem reza se livra mais rapidamente de problemas relacionados ao stress e é menos suscetível a quadros de depressão. Um aspecto menos pesquisado dessa história é se as preces alheias, conhecidas como 'rezas intercessórias', também são eficientes para ajudar os doentes. O primeiro grande estudo feito mostra que a fé dos outros de nada adianta.
Durante três anos, o americano Mitchell Krucoff, professor de Medicina e Cardiologia da Universidade de Duke, comandou uma equipe que acompanhou 748 pacientes. Todos estavam sendo submetidos a procedimentos cardíacos, como cateterismo e angioplastia. Doze congregações de diferentes religiões - católica, judaica, muçulmana e batista - foram convocadas a rezar pelos pacientes, sem saber nome, idade e doença. Para evitar o efeito placebo, uma alteração no organismo ou no comportamento devida à crença no tratamento, os pacientes não sabiam se eram alvo das preces. Tampouco seus médicos tinham conhecimento do estudo. Metade do grupo recebeu orações - de diferentes religiões - por um período de cinco a 30 dias. Krucoff e sua equipe acompanharam os pacientes nos seis meses seguintes. Não houve nenhuma diferença entre os grupos. Outras 12 congregações foram listadas para orar pelos mesmos doentes por mais tempo, e o resultado foi igual.
'Rezar é a terapia mais antiga e popular do mundo', afirma Krucoff, decepcionado com os resultados. 'Não queremos que as pessoas fiquem descrentes.' O médico diz ser prematuro tirar conclusões definitivas. 'Não sabemos ainda se o número de pessoas rezando, a intensidade e a duração das orações fazem diferença', argumenta. A decepção de Krucoff é compreensível. Ele resolveu comandar o estudo depois de ter passado uma temporada na Índia, onde notou que aqueles hospitais que valorizavam a espiritualidade ofereciam um ambiente mais favorável à saúde dos pacientes.
Mundo afora, cientistas levantaram suas vozes contra e a favor. Alguns alegam que esperar por esse tipo de intervenção divina no mundo físico é tão absurdo quanto rezar para o time de futebol ganhar ou a guerra no Iraque acabar. Para o americano Michael Shermer, especialista em História da Ciência e presidente da Skeptic Society (grupo de cientistas que se dedicam a promover o pensamento crítico e investigar alegações extraordinárias), a pesquisa errou por não estabelecer critérios como idade, sexo, etnia e educação dos pacientes. 'Rezas científicas fazem de Deus um rato de laboratório. Se Deus é onipotente, ele não precisaria ser lembrado de curar alguém', dispara.
É incontestável, no entanto, que a religiosidade - assim como qualquer crença em determinada força que auxiliaria na cura - proporciona conforto em situação de doença. Quando o paciente acredita em uma força maior, tem maior sensação de controle. 'Saber que alguém está rezando por você aumenta a segurança e a autoconfiança. Conseqüentemente, há uma melhora no sistema imunológico e nas funções cerebrais', diz a psicóloga Maria Rosa Spinelli, presidente da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática. Enquanto se discute o poder da prece de terceiros, quem está doente reza por si próprio. A corretora de imóveis e empresária Mônica Portella, de 40 anos, passou um ano em depressão e com crises de pânico. Chegou a ficar semanas sem sair de casa. Tentou se tratar com antidepressivos, mas os medicamentos não funcionaram. Passou a rezar e a ler textos evangélicos. Em dois meses, Mônica se sentiu livre do mal. 'Não é necessário estar ligada a uma religião. O fundamental é encontrar uma força para se apegar', diz.
SEM EFEITO 748 pacientes com doenças coronarianas e 12 congregações de católicos, judaístas, muçulmanos e budistas participaram do estudo:
189 Pacientes receberam reza e relaxamento com imagem, música e toque
182 Pacientes receberam apenas reza
185 Pacientes receberam relaxamento com imagem, música e toqueC
192 Pacientes não receberam nada
Depois de seis meses, o índice de pacientes que tiveram complicações foi o mesmo nos quatro grupos.
Fonte: Duke University Medical Center
Acessado em 08/07/2008 no sítio da Revista Época. Todas as modificações posteriores são de responsabilidade do autor original da matéria.
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